Amei. Sempre amei e cumpri o papel dado pelo amor. Porém, nunca fui amado. Claro que tive o amor do sangue e o das afinidades, mas nunca o amor da carne. Fui e fiz. Dei e cuidei. Tive carinhos e mimos. Ganhei presentes e elogios, mas não o amor. Conquistei, respeitei, fui admirado e criei laços, mas o tal do amor não veio. Continuou alheio. Em alguns casos, meu ronco era demais. Em muitos outros, minhas vontades de menos. Meu destino era satisfazer, cuidar, preservar, limpar, nutrir, mimar, massagear, cozinhar, orgulhar, foder, e - acima de tudo - amar. Hoje, a gaiola foi aberta. Um sabiá de outros cantos foi quem abriu. Outra mentira, uma entre outras que vivi. Fugindo de uma gaiola acabei em outra. Assim foi até cansar. Desisti de fugir ou procurar e acabei por ser encontrado. Nada mais de pássaros ou outro animal menor. Meu corpo morto foi achado pelo rei deles. Um leão soprou vida em meus pulmões e pela primeira vez parei de só amar só e estou aprendendo a amar ser amado. Amor dobrado é trabalho redobrado. Livre, aprendo depois de velho ser colocado no altar do coração de alguém e digo: "Amor, bem-vindo. Pode entrar e fazer morada." Concluo que sempre amei e agora sou amado. Finalmente cada coisa em seu lugar, eu campo e você semente.