1.30.2015

O corte

Tem um pedaço de mim podre e o pior de mim vive ali. Neste lugar escuro, o pior de mim é rei. Governa como tirano. Veneno. Cresce e se espalha matando tudo que de bom em mim há. Beligerante! Do outro lado, tem o melhor de mim. O melhor que mostro, o melhor que todos querem ver. O melhor de mim que quero ser.  O melhor batalha bravamente para manter o controle. Na maior parte do tempo – felizmente – vence. Porém, infelizmente derrotas houveram. Uma aqui, outra acolá. Então, o melhor de mim cedeu o lugar ao pedaço ruim, o desvão das minhas vontades. O maniqueísmo da minha história que deveria ser preto e branco, se disfarça em matizes. Justamente, o perigo. O cinza que sou nunca é certo, em um dia pode ser claro, noutro escuro, e a delimitação entre o bom de mim e o pior do que sou se perde. Preciso de ajuda, preciso de uma faca. Rasgar um do outro. O claro do escuro. Dor, mais dor. Pior do que sentir dor é causar dor. Assim, o trauma do corte não será maior que a dor da incerteza de hoje ser bom, amanhã não. Ser mau! Não quero mais ser os dois, pois não existe mais forças no todo para perdoar pedaços. Não quero mais cometer os erros e refazer, refazer-me para destruir tudo a minha volta. Meu lado pior não gosta da felicidade alheia e muito menos da felicidade dele mesmo. Por isso, constrói tramas e destrói tanto a si mesmo como o resto que é o melhor de mim. O que sobra no fim de cada guerra é o oco. Sem som ou vida. Homúnculo. Hoje, o pior de mim fez as malas, o melhor de mim nem deu adeus. A tristeza é que ele, o pior, não vai longe, apesar de ir tarde. As cercas agora terão que ser mais altas e os arames mais afiados. Preciso de você e sua força para vigiar a fronteira. Soar as sirenes. Aceita? Guarde os portões ou me corte em pedaços para esconder um pedacinho ínfimo que seja do melhor de mim em você.


Um comentário:

Anônimo disse...

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo,
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia
Antes que esta assim crescesse,
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho inimigo de mim?
(Sá de Miranda - 1481-1558)

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