Tenho saudade de coisas. Hoje, tenho saudades de sons. Sinto falta da chuva, daquela da minha terra. Por aqui onde estou, ela não existe. Nesta cá falta-lhe o volume, a luz, a tromba d-água. Falta-lhe o barulho. Sinto falta do trovão, da onda de choque resultada pelo aquecimento instantâneo do ar. Falta cá os ruídos e o céu cortado por raios. Hoje não tenho mais a certeza de ver o céu atravessado por um raio. Nem ser – ele, o raio – seguido por uma trovoada. A tempestade daqui já deixou os céus e habita meu peito. Dentro de mim vivem sentimentos numa trovoada. Deles geram-se descargas elétricas para equilibrar a diferença de potencial entre o topo dos meus sonhos – cargas positivas –, a realidade do dia-a-dia – cargas negativas – e do chão duro que piso. No fim resta o ribombar do meu trovão sempre seguido pelo eco dos meus fracassos.
Um comentário:
Dous horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dous horizontes fecham nossa vida.
(Machado de Assis - “Dous horizontes” - 1863)
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