Não sou dado a ler, discutir, ou entender filosofia. Sou um homem de números, mas algum tempo atrás comprei um livro sobre a história da falsidade para ler durante viagens ou momentos de procrastinação. O título do meu atual passatempo é The Liar's Tale: a history of falsehood escrito por Jeremy Campbell. Em minha última leitura durante uma viagem de 5 horas de ônibus dei muitas risadas com uma passagem sobre Immanuel Kant e assombrei-me com a semelhança dele com um bom amigo meu. Ambos, aos meu olhos, encaram a verdade como uma lei newtoniana. Trocando em miúdos, Newton mostrou que o movimento dos planetas obedecem inflexíveis leis da natureza, não existem exceções para esta regra da mesma forma que não deve existir motivos para alguém não dizer a verdade. Eu sei, eu sei, se vou falar sobre verdade não posso esquecer de pelo menos mostrar o outro lado da história. Por exemplo, para Platão, na república ideal, os governantes têm permissão para mentir em nome da necessidade ou garantia do bem comum da comunidade (shhhh, Platão tem apoio total de Maquiavel neste caso). Porém para Kant e meu amigo, não. Eles sempre comunicam a verdade, isso não quer dizer que precisam propriamente F-A-L-A-R. Todos nós sabemos que existem formas de enviar uma mensagem, such as keeping silent, not being pinned down, sidestepping, equivocating, exercising common courtesy, and rolling eyes (este último o favorito do meu amigo). No caso destes dois, o que eles têm em comum acima de tudo é a certeza que é necessário nunca dizer uma mentira sobre algo que iremos nos responsabilizar definitivamente. Meu amigo segue este lema moral no seu dia-a-dia, Kant por outro lado tem uma fofoca passagem histórica muito divertida contada por Thomas de Quincey sobre o dilema moral de não causar mal à um homem e sempre dizer a verdade. Ele escreveu que, durante a velhice de Kant, este ficou aborrecido com seu velho braço direito chamado Lampe. O fiel escudeiro entrou na vida do filósofo depois de servir o exército prússio e, por muitos anos, Lampe foi correto e pontual em seus deveres com o seu mestre. Lépido e faceiro sempre 5 minutos antes das 5 da manhã despertava Kant com sua voz grave dizendo: "Professor, die Zeit ist gekommen". O gênio ficava em pé com um pulo só, parecia um recruta obedecendo a voz de comando, e as 5 estava sentando à mesa tomando o café da manhã. Todas as tardes, faça sol ou faça chuva, Kant fazia a sua caminhada e Rex Lampe o seguia com um guarda-chuva no antebraço em dias de sol ou aberto sobre o mestre em dias tempestuosos. Com o tempo e idade a memória de Kant começou a falhar e Lampe começou a ser negligente. Até ousou desviar dinheiro para o bem próprio. Por conta disto, o filósofo decidiu despedir o homem que tão bem lhe serviu por mais de 40 anos e uma vez tomada a decisão não havia retorno. Quincey escreveu "the word of Kant was a sacred as other men's oaths." Então, Lampe foi demitido, mas Kant honrou a memória dos serviços prestados e lhe forneceu uma generosa pensão. Agora que as coisas esquentam, Lampe teve a cara-de-pau em solicitar uma carta de referência sobre seu bom caráter. Já lhes descrevi a reverência pela verdade que tanto Kant como meu amigo compartilham, mas o filósofo também era conhecido por suas boas maneiras e benevolência. Ele sentou longamente, franziu a testa, olhou o papel em branco e lutou contra sua consciência. Por fim, pegou a pena e escreveu "has served me long and faithfully, but did not display those particular qualifications which fitted him for waiting on an old and infirm man like myself". Moral da história, aprendi com Kant e ratifiquei com meu bom amigo que mentir nada mais é do que viver uma ilusão. Se uma pessoa veste uma máscara por muito tempo, ela se acostuma com a falsa faceta enquanto o que lhe real e de valor decai lentamente, vão se erodindo e finalmente desaparecem. O artificial acaba substituindo o genuíno e "lacking a core of true desires, the individual becomes a flunkey to the whims and needs of others". Eu, como Kant e meu amigo, não quero ser sombra nesta vida. Por hoje chega de procrastinação e blablablas, vou voltar ao trabalho. Tenho uma tese para escrever, ai ai.
"What lies behind us and what lies ahead of us are tiny matters compared to what lives within us." Henry David Thoreau
10.13.2008
No Yes, I Kant
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